Série YOU (Você): Original Netflix inspirada no best seller de Caroline Kepnes.
A primeira temporada conta a história de Beck, uma candidata a escritora, que vê sua vida mudar completamente ao entrar em uma livraria, onde conhece o charmoso gerente, Joe. Assim que a conhece, Joe tem certeza de que ela é a garota dos seus sonhos, e fará de tudo para conquistá-la — utilizará as redes sociais para descobrir tudo sobre ela.
Joe não vai medir esforços para tirar de seu caminho tudo e a todos que podem atrapalhar alcançar seus objetivos. Na série You é possível observar como os afetos de Joe se transformaram em uma fixação muito perigosa.
Joe é a figura principal da trama. Parece ser uma história de um rapaz que, visivelmente, tem tudo para ser uma pessoa simples e fácil de se envolver. Ele se mostra carismático, atencioso, charmoso e romântico logo de início, mas também conseguimos perceber algo engenhoso, sombrio e complexo nele.
A série se passa a partir da interpretação de Joe e, nos permite entrar na mente confusa do protagonista para enxergar o mundo através de seus olhos.
Ele apresenta grande dificuldade de formar vínculos sociais saudáveis. A maior parte de seu tempo é investigar (stalkear) a vida das pessoas que ele diz “amar”.
Como o caso de Joe é fictício, a intenção aqui não é de realizar diagnóstico, mas podemos pensar em hipóteses, será que a série You seria um caso sobre stalker, manipulador e narcisista, o protagonista teria traços perversos?
O objetivo de Joe é destituir o semelhante da sua condição de sujeito, colocando-o na posição de objeto inanimado. Nessa lógica o perverso se situa de modo precário no registro dos laços sociais, recusando a alteridade e pressionando os limites para produzir angústia no outro.
Joe, é o stalker (ato de perseguir) gerente de uma livraria. No momento em que conhece Beck, dá inicio a uma série de pensamentos intrusivos sobre ela, algo que parece fora de seu controle.
Na mente de Joe, todas as atitudes e gestos de Beck são voltados a ele, por exemplo, a garota escolheu pagar os livros com o cartão, automaticamente Joe pensou: “Ela usou o cartão de crédito para que eu saiba seu nome”, etc.
Através das redes sociais Joe descobre onde Beck mora e quem faz parte do seu meio social, e daí, começa uma incessante perseguição a todos os passos da garota.
Beck apresenta muita insegurança na vida profissional e tem momentos altos e baixos com seu atual/ex. Busca experiências limites o tempo todo (uso de álcool e drogas). Parece ser o alvo perfeito para as manipulações de Joe.
Sim, as atitudes de Benji (ex/atual) de Beck são péssimas, mas isso não justifica prende-lo em uma jaula de vidro e tortura-lo até a morte. Joe acha que está agindo como um perfeito cavalheiro que salva a moça em perigo e acredita que sua forma de agir o torna herói. Na cabeça de Joe, ela não poderia ficar com um cara que não valesse a pena e tudo que faz é na intenção de defender Beck.
Existe outras formas de resolver essa questão, como talvez denunciar o agressor ou oferecer algum tipo de apoio a vitima.
Peach (melhor amiga de Beck) assim como Joe tinha obsessão por ela, mas de maneira secreta. Apesar de Joe estar certo com relação a Peach, chega a ser curioso que ele separe suas ações das dela quando na pratica são atitudes bem parecidas. Na verdade, para Joe a amiga era uma concorrente perigosa que tem dinheiro e influência sobre a Beck.
Pako, vizinho de Joe, merece atenção. O menino é negligenciado e vive em um lar que não tem estabilidade. Ao presenciar mais um ato violento contra o menino, Joe mata o padrasto do garoto. Pako demonstra alívio e pretende guardar esse segredo. As experiências que Pako viveu não delimitam obrigatoriamente que ele será igual Joe no futuro. Ficam as suposições que a série propõe para a nossa imaginação.
No final da série Beck descobre as atrocidades de Joe, e é quando o pensamento surreal de Joe se torna contraditório. Ele a mantém refém na jaula de vidro e a força a escrever um livro. Beck começa a dizer tudo o que qualquer pessoa normal assistindo deve estar pensando. Quando ela quase escapa, ele a assassina.
Não podemos esquecer que Joe é stalker, manipulador narcisista e segundo ele foi o amor que não deu certo, e a única coisa que ele assume é ter escolhido a pessoa errada. O óbvio deve ser dito: é evidente que a relação entre Joe e Beck não era amor. Joe criou uma forma deturpada de se relacionar e criar laço social com o outro.
Percebam que durante toda a série Joe sempre justifica e culpa suas vítimas, como se elas fossem merecedoras de morrer. O personagem tem atitudes ruins pensando que ajudará na vida daqueles que ele diz amar. Joe vive em conflito com as normas sociais, uma compulsividade de enganar, apático diante dos sentimentos dos outros, desrespeito pela segurança alheia e demonstra sofrimento ao lembrar de sua infância.
Nessa temporada, Joe parece que foi “montado” para fazer uma história interessante e criar um personagem com traços patológicos a ponto de provocar certa empatia.
Em alguns momentos tive a leve impressão que houve uma romantização desse personagem e, nos pegamos em alguns momentos torcendo por ele. Não fique mal por isso, porque a forte característica de Joe é o charme, a seduçao, o carisma e a manipulação.
Assim como os personagens da trama, ele consegue tragar o espectador com suas habilidades estratégicas para alcançar seu objetivo.
Joe vai ao extremo para entrar na vida de quem o atrai. É possível acabar caindo na dele sem perceber e os pequenos sinais de alerta podem ser o suficiente para escapar. Do contrário, pode ser tarde demais.
Joe chegaria até o consultório do psicólogo/analista?
- Provavelmente não!... Já que não reconhece o lugar de suposto saber - ele é quem detém o saber sobre o prazer alheio.
Caso aconteça, é para destituir o psicólogo/analista de sua posição, "pervertendo" o setting, seduzindo ou tornando-o voyeur - e cúmplice - de uma "mostração" sem pudores do prazer perverso.
Joe não acha que tem algum problema, não considera suas ações transgressoras, ou que esteja fazendo algo de ruim para as pessoas. Já as pessoas que estão ou passam por seu caminho (se sobreviver) são os que sofrem as consequências de seus atos.
As outras pessoas para ele são tratadas e vistas como objetos ou coisas sem importância, que devem ser usadas estrategicamente, em prol da satisfação do seu próprio prazer, sem nenhum remorso.
Para finalizar - no reino animal, o homem é o único capaz de matar e planejar a morte de outros de sua espécie, movido por retaliação, ambição, conveniência e pela incapacidade de gerenciar as diferenças ou por mero prazer.
Psicóloga Renata Gonçalves – CRP 06/122453
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